In Memorian: Mafalda e Quino

 






Recentemente, faleceu o grande cartunista Quino, criador das célebres tiras da Mafalda. Pediram-me para escrever alguma coisa a respeito da personagem e do artista. Não sou um grande especialista no tocante a Mafalda ou Quino, mas farei meu melhor.


Mafalda teve seu debut no periódico Primera Plana em 1964. É evidente que Quino teve influência de Peanuts de Charles Schulz, mais popularmente conhecido como Charlie Brown ou Snoopy, mas obviamente havia grandes diferenças entre as tiras. Afinal de contas, Charlie Brown era uma criança do desenvolvido Estados Unidos da era Eisenhower, já naquela época a nação mais poderosa do mundo capitalista. Mafalda, por sua vez, era uma menina da Argentina, país do terceiro mundo que estava em desenvolvimento. Está certo que o país frequentemente esteve por cima da carne seca com relação ao Brasil, até em aspectos culturais. Já é conhecido o fato de que Buenos Aires tem mais livrarias que o Brasil e blá blá blá. É tudo verdade. No entanto, isso não tira o fato de que a Argentina é outro país em perpétuo desenvolvimento.

Se Charlie Brown vivia em um idílico subúrbio norte-americano, Mafalda era um criança de apartamento, na urbanizada Buenos Aires. Se no mundo de Peanuts, os adultos eram excluídos, nas histórias da Mafalda seus pais estavam bem presentes e viviam a mesquinhez do cotidiano. O pai da Mafalda é o típico trabalhador assalariado pai de família e a mãe a tradicional dona de casa que cuidava dos filhos. Tudo de acordo com o script. 


O que não segue o script é a própria Mafalda. Criança questionadora, que não compreende as tragédias e os conflitos do mundo. Com sensibilidade e ironia, Quino fez de Mafalda seu alter ego para tecer críticas sociais sutis, mas pertinentes. Acusa-se Quino de ser esquerdista, mas ele se definia como “isentão”. Acredito que ele se localizava mais no espectro da centro-esquerda, mas não era um dos esquerdistas mais radicais nem defendia partidos políticos. Agora é fato que Mafalda foi apropriada pela esquerda. Particularmente, a esquerda bananense, formada por professores. Tanto que tudo quanto livro didático tinha tiras da Mafalda.

Mafalda ganhou o mundo, sendo traduzida em inúmeras línguas e sendo publicada em diversos países. Teve direito até a ensaio de Umberto Eco. No entanto, Quino decidiu encerrar as tiras da Mafalda em 1973, pois já estava famoso e bem financeiramente e, dessa forma, queria se dissociar da menina questionadora. Na Banânia, durante o regime militar, os quadrinhos de Mafalda foram proibidos, visto que eram considerados “subversivos”. Com a redemocratização, Mafalda enfim pôde ser publicada no Brasil e se tornou um hit de livrarias. Nos anos 80 e 90, já havia vários quadrinhos que eram vendidos em livrarias. Não era como se tornou depois, com a “gourmetização dos quadrinhos fazendo com que eles migrassem das bancas para as livrarias, mas tinham algumas HQs se só se encontravam em livrarias, e Mafalda era uma delas.

Dessa forma, Mafalda era lida por quem gostava de pagar de cult e dizia que era melhor que Mônica. Sim, eu concordo que é melhor que Mônica, mas são públicos-alvo diferentes. Mafalda é para adultos e Mônica, para crianças. Ainda assim, Mafalda é muito popular na Banânia. Praticamente todo mundo que é da classe média e estudou conhece a personagem. E não é só Mafalda que é melhor que Mônica. Quase tudo o que os argentinos fazem em matéria de cinema e quadrinhos é melhor. Eles criaram um épico de ficção científica em quadrinhos, O Eternauta. Porém, eles também têm a louca da Cristina Kirchner por lá. Fica tudo elas por elas.

Bom, descreverei alguns dos amiguinhos da Mafalda, importantes nas tiras. Em primeiro, temos Felipe. Particularmente, é meu personagem preferido de Mafalda e com quem mais me identifico. Felipe é um sonhador tranquilo com uma imaginação prodigiosa e que frequentemente se vê no dilema de estudar ou se divertir, o que o deixa muitas vezes angustiado.


Manolito, o filho do dono do armazém, representa o capitalista patrimonialista. Aí vemos a inclinação de Quino mais para o espectro da esquerda, pois Manolito é muito burro, só indo bem nas provas de matemática, porque sabe fazer contas. A despeito disso, é inegável que parte do empresariado argentino daquela época era meio chucro, e ele é um bom exemplo disso.


Susanita é a imagem da mulher tradicional, do lar, dona de casa, cuja função é ter e criar os filhos do marido. Ela tem o sonho de casar com um homem rico e se tornar uma dondoca, sustentada pelo marido gado. Manolito seria um bom marido para Susanita. Ela também tem um lado mesquinho e é uma amiga um tanto falsa da Mafalda. Creio que Quino quis fazer uma referência às amizades falsas de mulheres com relação a outras mulheres.


Miguelito é o doidinho da turma. Até diria que ele está no espectro do autismo. Muitas vezes, se revela incapaz de compreender o que Mafalda diz e toma tudo de forma literal. Ele também é egocêntrico e acha que o mundo gira em torno dele.

Por último, temos Liberdade, que é a comunista da turma. Liberdade é uma menina pequena, que vive questionado o status quo. Quando ela crescer provavelmente se desconstruirá e se tornará militante feminista esquerdista de Twitter, lacrando loucamente e exigindo pronome neutro.


Bom, fica aqui minha homenagem a Quino e sua criação máxima. Apesar da idade avançada, é uma pena ele ter partido. Que Deus o tenha. R.I.P.



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