MEMÓRIA EM QUADRINHOS: O dia em que o Justiceiro ficou negro (1991)



Hoje em dia, há certos tipos de histórias que a Marvel não publicaria mais nem ferrando, umas dessas é o tema deste post. Não é segredo que a editora já foi melhor e mais divertida no passado, antes de tornar-se uma lacaia da corporação Disney. No que concerne ao Justiceiro, é pior ainda, visto que ele é o personagem mais problematizado da Marvel na atualidade.

E se eu dissesse que a Marvel já fez uma história sobre blackface com o Justiceiro? Você acreditaria? Ou o mais próximo possível, dadas as circunstâncias. Santa blackface, Batman! Para quem não sabe o que é blackface, é um recurso dramático de antigamente que consistia em um ator branco pintar a cara de negro para interpretar um personagem negro. Nos tempos atuais, isso é muito politicamente correto, mas no passado até o grande ator britânico Laurence Olivier fez uso de blackface para interpretar Othelo.



Essa trama contempla os números 58 a 62 da revista do Justiceiro, escritos por Mike Baron e ilustrados por Hugh Haynes, Jimmy Palmiotti e Val Mayerik, e publicados em 1991. Na verdade, nesse ponto da cronologia do Justiceiro, ele tinha caído em uma armadilha do Rei do Crime, associado com um moleque da Yakuza, que tinha engendrado um plano para acabar com a vida de Frank Castle. Em determinado ponto dessa saga, o Justiceiro é capturado pela polícia e é sentenciado a novamente passar uma temporada na Ilha Ryker.



Obviamente, os problemas de Castle só começaram por lá, visto que todos os bandidos da cadeia queriam acabar com a vida dele. Com exceção de seu eterno arqui-inimigo, o Retalho, que não queria apenas matá-lo, mas também fazê-lo sofrer. Em uma emboscada, o vilão realiza seu fetiche, que é o de cortar a cara do Castle inteira, em retribuição ao que foi feito com ele.



O Justiceiro enfim consegue escapar da Ilha Ryker, com a ajuda de seu sidekick, Microchip. Porém, Castle ainda estava sendo procurado pela polícia, como fugitivo, e precisava dar um jeito na sua cara toda retalhada. Microchip leva o Justiceiro para se encontrar com uma cirurgiã plástica que tinha criado um tratamento revolucionário e poderia consertar a cara dele. Então, acontece uma sequência que só poderia ser de um quadrinho dos anos 90, que é quando Castle vai falar com uma prostituta rodando bolsinha, e ela confirma ser a doutora. Ela trabalha meio período como prostituta e como cirurgiã plástica porque precisa pagar as contas. Aparecem uns bandidos do Rei do Crime para dar cabo do Justiceiro e da doutora/prostituta, mas nosso anti-herói manda todos para o Inferno.




A doutora/prostituta leva o Justiceiro para seu consultório clandestino e conta sua história, de que se tornou viciada porque trabalhava em muitos turnos em um hospital barra pesada, roubou drogas e foi demitida. Castle faz o que qualquer um faria ao escutar tal história, começa a gargalhar loucamente e, quando a doutora/prostituta pergunta do que ele está rindo, responde: “é porque estou deixando você me operar”!



No entanto, o Justiceiro subestimou o tratamento revolucionário da doutora/prostituta, pois, quando tirou as bandagens, qual não foi sua surpresa quando viu que seu rosto estava inteiro de novo, sem nenhuma cicatriz, e, não somente isso, ele agora estava com a pele com mais melanina; ou seja, era um cara negro! Claro que a doutora/prostituta explicou que isso era apenas temporário, mas ele nunca seria identificado pela polícia agora.






O Justiceiro, agora em sua nova identidade racial, parte com a doutora/prostituta e dá uma carona para ela. Depois de a deixar em uma rodovia, é abordado por um bando de policiais racistas. Ele perde a compostura, pois já não tinha paciência com racismo quando era branco, agora que era negro então, e mete a porrada nos caras. Castle começa a apanhar para cacete, mas chega a providencial ajuda de Luke Cage, o Herói de Aluguel, que estava passando por ali e nunca iria permitir que outro negro apanhasse barbaramente da polícia. Qualquer semelhança com George Floyd não é mera coincidência.





Cage baixa o sarrafo na polícia e dirige com o Justiceiro até o sul. Não demora muito para que ambos fiquem amigos. Castle fica um tempo escondido no Harlem e concorda em ajudar Cage a limpar o bairro de uma gangue de traficantes que está aterrorizando a população e aliciando os jovens para o crime. Cage começa a desconfiar que há algo de errado com seu amigo, pois Castle não tem dó em despachar os bandidos, e o Herói de Aluguel não gosta de mortes desnecessárias. É revelado que a gangue dos traficantes está trabalhando com um gângster branco. No embate final com a gangue, Cage apanha de um brutamontes porque estão fazendo pessoas de reféns, mas o Justiceiro mete bala no grandão e quebra o pescoço do chefão branco.

A amizade de Cage com o Justiceiro fica abalada, pois, além de Castle gostar de matar os bandidos, ele também começou a “desbotar” e voltar a ficar branco. Para piorar, o moleque da Yakuza consegue localizar o Justiceiro no Harlem e faz a doutora/prostituta de refém. Na sequência final do arco de histórias, Castle e Cage dão um fim nos bandidos e se desentendem. O Justiceiro já voltou a ficar branco e nem esconde mais a identidade.
Enfim, algumas considerações sobre essa história. Muita gente a acha horrorosa, mas pessoalmente até que gosto dela. É uma história do Justiceiro raiz do Mike Baron, e essa é minha versão preferida do personagem. Não que não goste do Justiceiro de Garth Ennis, mas minha fase predileta é a dos anos 80 e 90, escrita por Mike Baron, Carl Potts e Chuck Dixon. No entanto, se ela fosse publicada atualmente, com certeza a lacrolândia iria abaixo, faria trending topics no Twitter, textão no Facebook etc. E pior que essa está longe de ser a maior burrada da Marvel com o personagem. Ainda há o Justiceiro anjo, o Justiceiro Frankenstein, o Justiceiro Capitão América, o Justiceiro Máquina de Combate, entre outros. Santas presepadas com o Justiceiro, Batman! Ou melhor, santas presepadas com o Justiceiro, Marvel!
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