In memoriam: David Lynch

 

Infelizmente, venho mais uma vez escrever um breve apanhado da carreira de uma figura que foi muito importante para as artes e que faleceu recentemente. No caso, é o diretor de cinema norte-americano David Lynch, um dos grandes diretores contemporâneos, com um estilo surrealista e que também descrevia o lado kitsch dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que tangenciava seu lado negro. Lynch faleceu essa semana, em 15 de janeiro, aos 78 anos.

Nascido em Missoula, Montana, em 20 de janeiro de 1946, Lynch começou seus estudos de graduação na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, mas logo fez a transição das artes plásticas para o cinema, passando a produzir curtas. Seu primeiro longa foi Erasehead, de 1977, um filme experimental surrealista em que Henry Spencer, um trabalhador em um mundo industrial engravida sua namorada, e o casal tem um filho mutante em um ambiente claustrofóbico. Filme até hoje considerado ininteligível por muitos.


Em 1980, Lynch dirigiu seu primeiro filme para um grande estúdio e que o deixou conhecido, O Homem Elefante, cujo enredo aborda a vida de John Merrick, interpretado por John Hurt, um homem desfigurado que é retirado de um freak show pelo doutor Frederick Treves, um médico vivido por Anthony Hopkins. Seu filme seguinte seria a ambiciosa e desastrosa adaptação de Duna, odiada pelos fãs do livro e rejeitada pelo própria Lynch posteriormente. Nem o cantor Sting, que interpretou o vilão Feyd Rautha, aprecia esse filme.

Seu filme seguinte, Veludo Azul, de 1986, tornou-se um clássico cult. No enredo, o jovem Jeffrey, vivido por Kyle MacLachan, encontra uma orelha de um homem decepada, e a investigação desse fato o leva de encontro a Dorothy, uma bela cantora interpretada por Isabela Rosselini. Jeffrey, porém, será envolvido para as artimanhas do submundo e sua vida passa a correr risco, principalmente quando cruza o caminho do gângster Frank Booth (Dennis Hopper).

Seu próximo filme seria o bizarro thriller Coração Selvagem, em que Sailor (Nicolas Cage) e Lula (Laura Dern) vivem uma paixão selvagem e proibida, ao mesmo tempo que a mãe de Lula quer matar Sailor e reaver sua filha. O longa é uma adaptação de uma novela de Barry Gifford e tem no elenco Willem Dafoe e Isabela Rosselini.



Em seguida, Lynch faria sua próxima empreitada da TV, com a série Twin Peaks, que se tornaria outro clássico cult e um sucesso da audiência na época. A trama centra-se na investigação de assassinato da adolescente Laura Palmer, na cidade de Twin Peaks, o agente do FBI Dale Cooper, interpretado por Kyle MacLachan, é designado para o caso, mas logo perceberia que o que estava por trás do assassinato da jovem seriam forças para lá de ocultas. Nessa série, Lynch adentra de vez no surrealismo. Do meio da série em diante, a história deixa de ser policial para ter tons bizarros de sobrenatural, com simbolismos que não fazem muito sentido. O episódio final é insano. A série ainda teve uma terceira temporada tardia em 2017, que mais confunde que explica as pontas soltas.

Em 1997, Lynch dirigiria A Estrada Perdida. A partir desse filme, ele ingressaria de vez no surrealismo e no nonsense. Com exceção de Erasehead, que é um filme experimental, todos os outros longas seguintes tinham esse tom particular do diretor, de estranhamento, do bizarro, mas eram filmes cujo enredo poderia ser compreendido. Em A Estrada Perdida, isso muda. O enredo desse filme não faz o menor sentido e é constituído por simbolismos; é um filme para ser interpretado. Na trama, Fred Madison, interpretado por Bill Pullman, é um músico de jazz casado com a bela Renee, vivida por Patricia Arquette. Quando Renee é assassinada, ele é acusado e condenado pelo crime. No entanto, no dia seguinte, Fred acorda em outra identidade, como o jovem mecânico Pete, que se envolve com Alice, a mulher de um gângster.

O filme seguinte de Lynch, Uma História Real, é bastante destoante dos outros filmes do diretor, talvez sendo o mais “normal” deles. É um filme biográfico que conta a história real de Alvin Straight, interpretado por Richard Farnsworth, um idoso que atravessou os Estados Unidos em um cortador de grama para visitar seu irmão moribundo.

No entanto, em 2001, Lynch mais uma vez mergulharia no surrealismo em Cidade dos Sonhos. No enredo, Betty, interpretada por Naomi Watts, que se tornaria conhecida graças a esse filme, é uma jovem aspirante a atriz que se muda para Los Angeles. Tão logo se muda para o condomínio de seu apartamento, conhece Rita (Laura Harring), uma bela mulher que perdeu a memória em um acidente de carro. A despeito de não ter um roteiro coerente e, do meio para o final, ser uma grande viagem surrealista, acho que Cidade dos Sonhos é um longa belamente conduzido, talvez estruturalmente um dos mais belos do diretor.

Isso é o que não se vê em seu filme seguinte (e o último de sua carreira), Império dos Sonhos. Nesse longa, Lynch chuta o balde de vez e realiza seu filme mais caótico. No enredo, Nikki, cujo papel é feito por Laura Dern, é uma atriz que passa a adotar a personalidade de sua personagem em um filme. O que se vê diante é puro delírio e nonsense. Um filme muito difícil de digerir e impossível de ser compreendido. Dá para dizer que é o Finnagans wake de Lynch.

Enfim, este post pretendeu fazer um apanhado da carreira do grande diretor que é David Lynch. Ainda que seja controverso e difícil de compreender, é sem dúvida um dos mais importantes e originais diretores contemporâneos. Apesar de dividir opiniões, era cultuado e tinha uma fiel base de fãs. Mais um dessa geração que está partindo.

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