In Memoriam | NEAL ADAMS (1941-2022)

Como já está se tornando praxe, infelizmente este é outro post com um tema bastante triste, pois é em razão do falecimento do célebre Neal Adams. Um dos grandes artistas das HQs e o ilustrador que redefiniu visualmente o Batman, que faleceu dia 28 de abril, aos 80 anos. Lamentavelmente, estamos testemunhando o falecimento de grandes criadores que chegaram à terceira idade, o que é inevitável.

Nascido em Governors Island, na cidade de Nova York, Adams era oriundo de família militar e cresceu em bases do Exército norte-americano. Com talento inato para a ilustração, graduou-se na School of Industrial Art em 1959. Ao mesmo tempo em que trabalhava como ilustrador na área publicitária, Adams também tentou se lançar profissionalmente na indústria de HQs; seu debut foi na Archie Comics. Adams também desenhou a tira de jornal de Ben Casey, personagem de famosa série médica dos anos 60.




No entanto, Adams teve sua chance de estrear no mercado mainstream de super-heróis ao desenhar o Desafiador da DC, em 1967. Seu estilo bastante influenciado pelo design gráfico e pelo realismo já chamava atenção na época. Adams também ilustrou vários outros títulos da DC, como Turma TitãSuperman’s Girlfriend Lois Lane e outros. Enfim, ele pôde trabalhar com os maiores super-heróis da editora ao se tornar ilustrador regular em World’s Finest em 1969, a revista em que Batman e Superman dividiam o protagonismo. Apesar do tom mais ingênuo, da passagem da Era de Prata para a de Bronze, o estilo verossímil de Adams dava um grande contraste. Adams também assumiu os desenhos de The Brave and The Bold, título em que Batman sempre dividia o estrelato com outro herói da DC e que no período era escrito por Bob Haney, talvez um dos escritores do Batman mais subestimados de todos os tempos. O tom da revista também era mais pueril, mas o estilo de Adams trouxe mais maturidade às histórias.



E Adams não apenas passou a trabalhar na DC nesse período, mas também na Marvel. Ele fez sua estreia em The Uncanny X-Men no 56, em 1969, com roteiros de Roy Thomas. Apesar de sua arte inovadora ter abrilhantado a revista dos mutantes, não foi um dos trabalhos de maior sucesso no período. A revista dos X-Men, antes da fase de Chris Claremont, Dave Cockrum e John Byrne, era a lanterninha da Marvel, a menos vendida, perdendo até para a do Demolidor. Em compensação, Adams também assumiu algumas edições do título dos Vingadores em 1971, na célebre saga da Guerra Kree-Skrull. Também vale destacar duas histórias que ele ilustrou de Conan.

Um dos maiores destaques na carreira de Neal Adams é inquestionavelmente a da dupla Lanterna Verde/Arqueiro Verde, com roteiros de Dennis o’Neil. A revista do Lanterna Verde não estava vendendo muito bem na época, e tiveram a ideia de trazer o Arqueiro Verde, que por muitos anos foi um herói B da DC, para coestrelar o título. Creio que acharam que a curiosidade do leitor seria aguçada ao ver uma revista com os heróis verdes da editora. Esquerdista assumido, o’Neil fez do título uma espécie de “laboratório de temas sociais”. Oliver Queen, o Arqueiro Verde, tinha tido seu visual reformulado pelo próprio Neal Adams em The Brave and the Bold no 85, em que ganhou um visual mais próximo ao de Errol Flynn, um Robin Hood modernizado.

No título, o Arqueiro Verde também teve uma grande mudança de personalidade. Oliver Queen, que antes era uma espécie de Batman de arco e flecha, perdeu sua fortuna e tornou-se um ativista social, sempre com um olhar para os mais necessitados. O Arqueiro na verdade seria o alter ago de o’Neil, uma espécie de left wing, um hippie super-herói. Por sua vez, Hal Jordan, o Lanterna Verde, teria o papel do leitor fanboy, por vezes conservador, que não apenas questiona as atitudes do Arqueiro, mas também é questionado por ele. Não que Hal Jordan seja um cara de extrema direita, ele estaria mais para um liberal de centro, mas, perto do esquerdismo mais agudo de Oliver Queen, ficava parecendo um conservador muitas vezes. Lanterna Verde e Arquero Verde dessa forma saem dirigindo uma caminhonete e trilhando a América, acompanhados de Ganthet, um dos Guardiões.


Os temas de Lanterna Verde/Arqueiro Verde abrangiam pobreza, racismo, intolerância, até mesmo a explosão demográfica, como na história do planeta Maltus. Provavelmente, a história mais famosa dessa fase é a em que Roy Harper, o Ricardito, o sidekick do Arqueiro Verde, revela seu vício em heroína. Não é a primeira história de super-herói em que é mostrado um personagem com vício em drogas, a história de Harry Osborn drogado no gibi do Homem-Aranha veio antes. Porém, a capa com Roy injetando-se é chocante até hoje em dia, ainda mais para a época. Ambas as histórias romperam com o Comic Code Authority no período. Entretanto, o cancelamento da revista veio com Green Lantern/Green Arrow no 89, em que a capa mostrava o ativista ambiental Isaac em uma alusão a Jesus Cristo. Depois dessa, o editor-chefe Julius Schwartz achou que o’Neil e Adams realmente passaram dos limites e decretou o fim da revista, alegando baixas vendas, o que também não deixava de ser verdade. Lanterna Verde/Arqueiro Verde, apesar de ser sucesso de crítica, não foi sucesso de público na época.

Entretanto, é inegável que o grande sucesso de Neal Adams como ilustrador foi com o Batman. Foi por meio dele que o Cavaleiro das Trevas foi revitalizado conceitualmente e graficamente. Antes, o design do Batman era o da Era de Ouro e Prata, com o rosto mais quadrado e troncudinho. Adams criou um Batman mais esguio, porém musculoso, com o rosto mais fino e orelhas da máscara maiores, com um ar realmente mais verossímil. E esse foi o design do personagem que se manteve por muitos anos. Meu desenhista do Batman preferido não é Neal Adams, é Jim Aparo, Adams está em segundo ou terceiro lugar, porém foi ele o responsável por toda uma mudança estética no personagem.

O Batman de Dennis o’Neil e Neal Adams teve uma direção para ir de encontro com o clima galhofa de antes, muito proporcionado pela série de TV dos anos 60, com Adam West, que privilegiava a galhofa. O herói nas mãos de Adams tornou-se mais “sério” e “adulto” (com esses adjetivos bem entre aspas). Gotham City passou a ter um aspecto mais realista e com ambiente sujo e de corrupção, em que o crime proliferava. Gotham sofreu uma influência estética da Central City do Spirit de Will Eisner e também uma ambientação mais verossímil, das grandes cidades norte-americanas.


Inclusive, os grandes vilões do Cavaleiro das Trevas também foram reformulados. Em Batman no 251, na história As cinco vinganças do Coringa, houve a volta do Coringa assassino, que estava sumido desde o início da Era de Ouro. Na Era de Prata, ele havia se tornado mais um vilão galhofa como muitos outros; entretanto, o’Neil e Adams trouxeram de volta o Coringa maníaco e homicida, que basicamente é o protótipo do Coringa contemporâneo. Outro vilão que renasceu foi o Duas Caras. Em Batman no 234, na história Metade de um mal, Duas Caras retorna bem mais sombrio, e o vilão tinha ficado por muito tempo sumido dos quadrinhos, porque seu visual havia sido considerado muito grotesco para um gibi infantojuvenil. Até da série de TV dos anos 60, ele tinha sido limado.


Neal Adams também foi o responsável pela criação visual de dois vilões importantes do Cavaleiro das Trevas. Um deles é obviamente Rá’s al Ghul, uma espécie de Fu Manchu modernizado (para os anos 70, claro) misturado com o Blofeld, o arqui-inimigo de James Bond. A princípio ambíguo, Rá’s por fim se revelara como uma grande ameaça, de nível global. Por sua vez, o Batman de Neal Adams também era mais sensual, como na história em que enfrenta Rá’s em uma luta de sabres com o torso nu e por fim beija ardentemente Talia, a filha do vilão. É importante lembrar que a DC na época queria recuperar a masculinidade do herói, que vinha sofrendo ataques maliciosos por muitos anos, que foram potencializados com a série de TV. Dessa forma, Robin foi afastado, e temos um Batman com sua “masculinidade tóxica” em toda a sua glória. Engraçado que isso hoje em dia é mal visto, e vivemos uma época de desconstrução da masculinidade dos heróis.

O outro vilão é o Morcego Humano, que foi introduzido na trilogia original do Morcego Humano, sobre a qual já escrevi um post neste blog

https://memoriamagazine.blogspot.com/2021/04/trilogia-original-do-morcego-humano.html

Inclusive, Kirk Langstrom, o Morcego Humano, também entra no escopo de outro aspecto que Neal Adams trouxe ao Batman, que é o terror. O herói passou a protagonizar histórias de terror ou que tangenciavam o terror.


Também merece destaque o crossover Superman vs Muhammad Ali, escrito por Dennis o’Neil e ilustrado por Adams e publicado em 1978, mesmo ano do Superman de Richard Donner. Nessa HQ, Superman e Muhammad Ali devem duelar para salvar a Terra de uma invasão alienígena. Na capa, há a participação de várias personalidades da época, e todas autorizaram seu direito de imagem.


Nas últimas décadas, Neal Adams cada vez mais passou a fazer trabalhos esporádicos, na semiaposentadoria. Vale destacar a HQ Batman - A Odisseia, que foi não apenas ilustrada, mas também escrita por Adams. Na minha opinião, o roteiro dessa história dá uma derrapada, pois escrever não era mesmo o forte do artista. A arte de Adams também decaiu um pouco com o passar dos anos, devo admitir.

Importante também lembrar que Adams foi um ativista dos direitos dos profissionais da indústria de HQs e que ele ajudou muito no processo de compensação financeira que Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do Superman, enfim ganharam contra a DC.

Enfim, fica aqui meu reconhecimento a esse grande artista. Se o Batman é o ícone que é hoje, sem dúvida alguma teve muito da contribuição de Neal Adams. R.I.P.



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