Papo de Cinema: Capitão América (1990)



No livro Marvel Comics: a história secreta, há o seguinte trecho:

A Marvel começou a comprar anúncios de página inteira na Variety, tentando alcovitar seus personagens a quem pagasse mais... ou, aliás, a quem pagasse qualquer coisa. Um dos anúncios trazia o rosto do Demolidor: “Demolidor é apenas um dos mais de cem fantásticos personagens Marvel prontos para estrelar seu próximo filme ou produção televisiva”, dizia o texto. “Todos os personagens Marvel têm identidade própria – sua história particular – e potencial para o grande estrelato.” Deu em nada.

                           Pois então, selecionei esse trecho apenas para mostrar que, desde que a Marvel começou a se sedimentar como a editora que conhecemos, o objetivo de Stan Lee sempre foi licenciar os heróis da Marvel para o cinema e a TV e rachar o cu de grana. A gente se surpreende ao ver o que a Marvel se tornou hoje, mas esse sempre foi o plano (maquiavélico?) do titio Stan.
                            Evidentemente, tal plano teve seus muitos percalços. Apesar de a Marvel ser a editora campeã de vendas de quadrinhos de super-herói já naquela época, Hollywood não tinha grande interesse em adaptar os heróis para as telas, por considerá-los bobos e infantis. Que diferença de hoje em dia, não? Hollywood era mais sã antigamente.
                            A percepção começou a mudar depois do Superman de Richard Donner, que provou que um filme de super-herói poderia ser altamente rentável e popular, se fosse realizado corretamente. E esse é um grande “se”. Em 1989, o Batman de Tim Burton gerou uma onda de filmes de HQs. Na sequência, vieram os filmes de Dick Tracy, O Sombra, Fantasma, Juiz Dredd, a série de TV do Flash etc. Se a DC tinha o poderia da Warner, um dos maiores estúdios de Hollywood, o que era da Marvel? Bem...

                             A Marvel estava na rebarba das adaptações de quadrinhos. No final dos anos 80, reviveu o Hulk de Lou Ferrigno em uma trilogia para a TV, que também apresentava versões toscas de Thor e Demolidor. E também foi realizado o filme do Justiceiro com Dolph Lundgren, já resenhado por mim para este blog. Se não leu, leia. Faça uma busca aí.
                          Se a Marvel apostava em um sucesso consagrado, o Hulk, e um personagem que estava explodindo em popularidade nos quadrinhos na época, o Justiceiro, qual personagem que mereceria uma adaptação? O Homem-Aranha? Bom, James Cameron já tinha interesse nele. Que tal o Capitão América, então?

                            A realidade é que poucos aqui na Banânia têm noção do que o Capitão América significa para os americanos, e fazer um filme com o personagem era uma escolha óbvia na época. Claro que havia um probleminha chamado orçamento, pois nenhum grande estúdio tinha se interessado em adaptar o herói, mas felizmente a 21st Century Film Corporation quebrou o galho da Marvel e aceitou produzir o filme.
                            A direção ficou a cargo de Albert Pyun, responsável por obras-primas como Cyborg, o Dragão do Futuro, com Van Damme. Para interpretar Steve Rogers/Capitão América, foi escalado Matt Salinger, que atuou em A Vingança dos Nerds, fazendo um dos bullies que atazanava os nerds e que, ironicamente, acabou interpretando um ícone super-herói dos nerd.
                           O enredo do filme inicia-se na Itália fascista de Mussolini. Em uma noite em que um menino prodígio pianista iria se apresentar, os fascistas invadem a cara e metem bala em todo mundo. O menino vê sua família ser assassinada diante de seus olhos. Por que fizeram tamanha maldade? Bom, é porque o moleque teria “inteligência superior” e serviria de cobaia para um experimento dos nazistas malvadões.
                         Pois é, o porquê de mudarem a nacionalidade do arqui-inimigo do Capitão América, o Caveira Vermelha, de alemão para italiano, desconheço. Dizem que foi para incomodar os italianos, pois teria havido alguma rusga entre Estados Unidos e Itália no período. Como o Capitão América de 1990 é um filme à frente de seu tempo, já praticava o “empoderamento” desde aquela época, o doutor Erskine foi substituído pela doutora Maria Vaselli. Ao ver que estavam fazendo seus experimentos em uma criança, a doutora foge da base dos fascistas horrorizada, levando os planos da fórmula do supersoldado.
                                Corta para anos depois, quando o governo norte-americano está ciente de que os nazistas criaram sua versão do supersoldado. É informado de que já há um voluntário para o projeto do supersoldado americano, o jovem Steve Rogers. Se nos quadrinhos, Rogers cresceu no gueto da baixa zona leste de Nova York, no filme ele é do subúrbio de classe média da Redondo Beach, Califórnia. Rogers se despede da mamãe Rogers e família, mas não encontra sua namorada, Bernie. Sim, é uma referência a Bernie Rosenthal, a namorada do Capitão América criada na fase de Roger Stern e John Byrne nos quadrinhos. Rogers enfim encontra Bernie no cais e dá um beijo de adeus. Que romântico.
                          Rogers é acompanhando pela doutora Vaselli na viagem de carro e ela pergunta se ele está nervoso porque estava fumando. Pois é, esse filme é dos anos 90, e naquela época não havia tanta patrulha antitabagista, apesar de ser estranho ver Steve Rogers fumando. No entanto, sim, ele já fumou nos quadrinhos. Na Era de Ouro, o recruta Rogers vivia com seu cachimbo. E, até na Era de Bronze, tem uma história desenhada por Jim Steranko em que o Capitão América dá uma pitadinha. Santa fumaça, Batman!
                                 No laboratório da base americana, enfim Rogers é submetido aos dolorosos raios vita do experimento da doutora Vaselli e sai todo bombadão. Creatina é para fracos. No entanto, um sabotador nazista enche a doutora de chumbo, apenas para ser esmurrado e eletrocutado ao cair em cima dos transformadores. Igualzinho aos quadrinhos.
                             A primeira missão de Steve Rogers como Capitão América é se infiltrar em uma base nazista para impedir que lancem um foguete sobre Washington. Bom, não dá para negar que o uniforme do herói nesse filme é praticamente idêntico aos quadrinhos; só as orelhas de borracha é que são um tanto bizarras. O Capitão dá um pau nos nazistas e enfim entra em combate contra o Caveira Vermelha. Pior que a maquiagem do vilão até que assustaria umas crianças na época; parece saída de um Hellraiser da vida. E o Capitão perde feio a luta contra o vilão. E ainda é amarrado ao foguete com destino ao Washington, não sem antes agarrar a mão do Caveira para levar o vilão consigo. O Caveira tenta decepar a mão do Capitão, mas acaba amputando a própria mão.
                          Enquanto isso, um moleque em Washington aproveita que os pais estão dormindo para escapar e fotografar a Casa Branca e testemunha o Capitão amarrado ao foguete mudando a direção deste na base do chute. O foguete cai no Alasca e o herói enfim hiberna. Na cena seguinte, está o moleque com o amiguinho gordinho, aliás, gordinho, não, pois, em temos de lacração, não é de bom tom chamar gordinho de gordinho. É o amiguinho com excesso de adiposidade. E ele mostra a foto do Capitão amarrado no foguete para o amiguinho.
                              E não é qual a surpresa quando descobrimos que o moleque se chama na verdade Tom Kimball e, quando adulto, acaba por se tornar o presidente dos EUA. E o ator que interpreta Tom Kimball é nada mais nada menos que Ronny Cox, que também interpretou o vilão de Robocop, Dick Jones. Kimball deve ser do partido Democrata, pois é mais pacifista e não quer investir em projetos bélicos, o que irrita um de seus generais, curiosamente um dos generais que estavam presentes no experimento que transformou Rogers no supersoldado. O que o presidente não sabia é que o general tinha interesses em comum com o Caveira Vermelha, que fez uma cirurgia plástica e agora é tipo um mafioso carcamano com alcance internacional. E pior que o Caveira está por trás do assassinato de John e Robert Kennedy e de Martin Luther King. O plano do Caveira é sequestrar o presidente para implantar um dispositivo de controle mental em seu cérebro.

                          Como o Capitão América sempre tem de retornar na época de maior necessidade dos EUA, ele é encontrado por uma expedição alemã. Obviamente, o Capitão consegue quebrar o bloco de gelo em que se encontrava e fugir, pensando que são todos nazistas, não sem antes ser fotografado por um dos alemães. Que falta fazem Namor e os Vingadores nessa cena.
                             A foto do Capitão fugindo vai parar na primeira página de todos os jornais, e óbvio que o presidente dos EUA reconhece o bandeiroso que viu quando criança. Ele telefona para seu amiguinho com excesso de adiposidade, que hoje em dia é um veterano repórter de jornal, interpretado por Ned Beatty, o Otis, o capanga de Luthor em Superman de Richard Donner. Pois é, trocou a DC pela Marvel e trocou mal. O presidente pede para seu amigo descobrir o paradeiro do Capitão. Na Itália, o Caveira Vermelha também descobre que o herói está vivo e encarrega sua filha de dar cabo no herói. Nos quadrinhos, a filha do Caveira é a Madre Superiora das Irmãs do Pecado.
                         Nesse ínterim, o Capitão América já chegou correndo do Alasca até o Canadá, e está sendo perseguido pela filha do Caveira Vermelha e suas capangas. Em uma cena vergonhosa, o Capitão é encurralado pela vilã de moto e ainda consegue ser baleado. Ele é salvo pelo amigo jornalista com excesso de adiposidade do presidente. Quer dizer, que se dane, o amigo jornalista gordo do presidente, vulgo ator do Otis. E pior que o Capitão ainda consegue enganar o “Otis” e fugir na caminhonete dele.
                                   Ao contrário do Capitão América de Chris Evans, que é virjão, o deste filme já saiu intumescido do gelo e vai atrás da sua noiva, Bernie. Na frente da casa da Bernie, ele encontra uma jovem muito parecida com sua amada, mas é derrubado pela menina. Ele descobre que na verdade a moça é a filha de Bernie, Sharon, que remete a Sharon Carter, a clássica namorada do Capitão nos quadrinhos. Bernie e Sharon são interpretadas pela mesmíssima atriz. O marido cuckold da Bernie também vai dar um pau no Capitão, mas Bernie o impede. Enfim, o Capitão percebe que não está mais nos anos 40 e que sua amada envelheceu. Sharon deixa o herói se hospedar em seu apartamento.
                                O “Otis” enfim consegue rastrear Bernie, mas antes de conseguir falar com ela, é baleado pela filha do Caveira Vermelha. A bandida ainda mete bala no cuckold da Bernie e vai interrogá-la. Sharon recebe um telefonema de que aconteceu algo com seus pais e vai tentar descobrir o que aconteceu. Lá, encontra sua mãe morta e seu pai ferido. O “Otis” consegue alertar o Capitão sobre a ameaça do Caveira. O herói também vê na TV a notícia de que o presidente foi sequestrado e então diz a Sharon que deve encontrar o diário da doutora Vaselli, pois lá provavelmente constará o nome verdadeiro do Caveira.
                             O Capitão e Sharon descobrem que a antiga base onde ficava o laboratório da doutora Vaselli é atualmente uma lanchonete, e o herói invade o banheiro feminino do lugar, que é onde provavelmente se encontraria o diário da doutora Vaselli. Pois é, nunca imaginei que veria o Capitão entrar de penetra em um banheiro feminino. O Capitão quebra a parede do banheiro e encontra uma passagem para o laboratório da doutora. Lá, encontra o diário.
                               Nesse momento, a filha do Caveira e seus capangas também invadem o lugar. Eles agarram Sharon e tentam levar o diário também, mas o Capitão está lá para dar um cacete neles. No diário, não consta o nome do menino que se tornou o Caveira Vermelha, mas há o home da cidade e da casa onde vivia a família do garoto.
                          Partindo dos Estados Unidos até a cidade do Caveira, na Itália, o Capitão e Sharon conseguem descobrir a casa da família do vilão, e lá encontram um gravador de rádio com o tema de piano que o Caveira tocava quando criança.
                                  O Capitão e Sharon sofrem um novo atentado por parte da filha do Caveira Vermelha, mas dessa vez Sharon consegue roubar a bolsa da bandida e assim descobrir onde é a fortaleza do vilão, justamente no castelo da cidade.
                                Enfim, a dupla consegue invadir o castelo e enfrentar os capangas do Caveira para poder libertar o presidente, que inclusive auxilia no embate. Após uma luta entre o Capitão e o vilão, o Caveira ameaça detonar uma bomba que destruiria parte da Europa, mas o Capitão aciona o gravador com o som do piano do Caveira criança e de sua família assassinada, distraindo o vilão o suficiente para derrubá-lo para a morte via a sacada do castelo com seu escudo. A filha do Caveita também leva uma escudada na cabeça. O presidente é salvo e o Capitão fica com a filha de sua amada. Não pegou a mãe, mas pegou a filha. Fim.
                          Não tenho muito o dizer sobre este filme; ele é uma bela de uma bosta. Porém, é curioso como demorou 21 anos para que um novo filme do Capitão América fosse feito. O filme com Chris Evans é de 2011. Isso é porque por muito tempo se teve receio de se produzir um novo filme do herói, por causa do antiamericanismo forte da era Bush.
     No entanto, até a molecada progressista anti-Bozo e anti-Trump aqui da Banânia gosta de vestir camisas com o escudo do herói. Afinal de contas, não tem como um cara de olhos azuis como Chris Evans não ser bonzinho, não é mesmo?
     O filme do Capitão América de 1990 é basicamente para consumo interno dos ianques mesmo, para agradar americanos. Sei que é uma coisa muito óbvia de dizer, mas os filmes de Hollywood sempre foram feitos para contemplar principalmente seu mercado doméstico e depois o resto do mundo. Isso mudou um pouco quando a China passou a consumir o cinema americano; talvez hoje o espectador chinês seja tão ou mais importante que o estadunidense.
       O que me deixa surpreso é que a Marvel/Disney conseguiu fazer do Capitão América um herói popular novamente. Antes, fora dos EUA, ele era desprezado e ridicularizado, e a molecada nem o conhecia direito. Agora todo mundo é fã do Capitão desde criancinha. Santa hipocrisia, Batman!
         Quanto ao Capitão América, apesar de ele não ser meu herói preferido da Marvel, sempre gostei do personagem, e ele foi um dos primeiros heróis da Casa das Ideias que li na vida. Não dá para negar que ele é basicamente um símbolo de propaganda, mas até aí o Superman e a maioria dos heróis de comics americanos também são. Apesar do lado propagandístico, não dá para negar que o personagem tem fases excelentes de criadores como Joe Simon, Jack Kirby, Stan Lee, Steve Englehart, Mark Gruenwald, Mark Waid, Ed Brubaker etc.
        E qual é meu filme preferido do Capitão América? Este de 1990 ou o de 2011 com Chris Evans? Bom, nenhum dos dois. Meu filme preferido do herói é a HQ Capitão América: O Sentinela da Liberdade, de Fabian Nicieza e Kevin Maguire, que, apesar de ser um quadrinho, tem a estrutura de um filme. Um filme de quatro horas ou mais de duração.
      E minha nota para Capitão América de 1990 é 4 de 10.



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